Quem tentou acessar a Wikipedia em inglês na última quarta-feira se deparou com essa mensagem:
Foi um protesto contra dois projetos de
leis absurdos que vem sendo discutido no congresso americano, o SOPA, e o
PIPA (detalhes aqui).
As
propostas são encabeçadas pelas produtoras de conteúdo americanas
(gravadoras e produtoras - aqui representada pelo Sr. Burns!) e tentam de
alguma forma controlar a pirataria.
Esse
tema de direitos autorais é realmente complexo e controverso, mas
esses dois projetos de lei estapafúrdios, da maneira como estão
apresentados ameaçam profundamente a produção e propagação de conteúdo
na internet.
Mas no meio dessa confusão fiquei intrigado com a frase da Wikipedia: "Imagine a World Without Free Knowledge". Então fiquei me perguntando se o conhecimento realmente é livre.
O conteúdo científico é livre?
A resposta é Não.
O
modelo de divulgação científica existente hoje está nas mãos de
editoras comerciais que cobram rios de dinheiro para o acesso à seus
conteúdos, e no meu entendimento se eu tenho que pagar o conhecimento
NÃO é LIVRE!
Mas a coisa não é tão
simples, no modelo atual as melhores revistas, com maiores índices de
impacto (e com acesso mais caros) possuem grande credibilidade e são o
eldorado dos cientistas, onde teoricamente, se seu trabalho é bom será
merecedor de ser aceito e terá visibilidade/credibilidade.
Mas
o conceito de credibilidade é relativo. Será que não é possível uma
análise por pares de qualidade e com credibilidade em uma revista open access?
O
fato de uma pesquisador acreditar no acesso livre e decidir publicar
seu trabalho em uma revista dessas torna seu trabalho inferior?
E
aí eu pergunto: Você que provavelmente pirateia o Chemoffice, faz
downloads de livros na internet, usa windows pirata, acredita em
conhecimento livre?
Muito
provavelmente a resposta será sim, seguida do argumento mais comum, o
preço que se paga! Argumento até certo ponto válido mas questionável...
Mas e se eu perguntar se você submeteria seu trabalho (que é de qualidade), para uma revista open access ao invés de mandar para o JOC? A resposta provavelmente seria NÃO.
Essa é uma questão bastante complexa, onde vários pontos de vista devem ser analisados e considerados.
Já existe a algum tempo uma corrente de pensamento que é a favor da divulgação científica livre.
Para
entender melhor como funcionam os modelos de divulgação científica
existente, reproduzo o artigo (LIVRE) bastante interessante sobre o
tema:
LIVRE ACESSO À LITERATURA CIENTÍFICA: REALIDADE OU SONHO DE CIENTISTAS E BIBLIOTECÁRIOS?
MARTHA S. M. SILVEIRA
(mmartinez_silveira@hotmail.com)
NANCI E. ODDONE
NANCI E. ODDONE
Mestre em
Ciência da Informação (UnB), Doutoranda em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ),
Professora do ICI/UFBA. Universidade
Federal da Bahia
(neoddone@uol.com.br)
INTRODUÇÃO
A comunicação científica é uma forma de transferência de informação
e construção do conhecimento que nasce de uma dupla necessidade, por um lado a
de quem deseja conhecer os avanços da ciência e por outro a de quem quer
comunicar à comunidade os achados e resultados de pesquisas e/ou estudos dos
diversos temas da ciência.
“A ciência atual é
fundamentalmente um trabalho coletivo, em que pesquisadores e grupos de
pesquisa trabalham sobre resultados já obtidos por seus pares, e tem como
objetivo acrescentar um tijolo a mais em um vasto edifício.” (MARCONDES; SAYÃO,
2002, p. 44).
Esta forma de comunicação tem como um dos principais atores o
artigo cientifico. O artigo é a peça que compõe as revistas cientificas que não
tendo fins comerciais em si mesmas, mas sim um inestimável valor científico, se
transformaram num elemento de valor econômico muito grande e tem sido objeto de
grandes negócios no mercado editorial (MARCONDES; SAYÃO, 2002). As editoras de
revistas cientificas de cunho comercial tornaram-se dominantes neste contexto
onde se trata a ciência com as leis do mercado. O preço desta literatura tem
permanecido num patamar que não contribui com o desenvolvimento da ciência,
pois dificulta sobremaneira o aceso à informação cientifica. (DELAMOTHE, 2004).
As revistas cientificas atualmente são produzidas basicamente de
três formas:
1)
Editoras comerciais produzem periódicos
geralmente de alto padrão quanto à qualidade, à apresentação, à relevância do
tema e ao investimento tecnológico. Os autores, sem restrições, podem submeter
seus artigos para publicação. Existe um corpo editorial formado por
profissionais de alto gabarito dentro do tema revista, e tem também uma equipe
de revisores. Estes são também renomados profissionais dentro da área temática
do periódico, e são pagos pela editora para, baseados nas regras e normas estabelecidas
pelo corpo editorial e principalmente na qualidade, relevância, veracidade e no
inédito do tema abordado pelo autor, determinar a publicação ou não de um
artigo submetido (peer review)
(DeANGELIS; MUSACCHIO, 2004). Estes artigos, que são finalmente publicados e
para o qual o autor não necessita pagar, passam a pertencer à editora, ou seja,
esta ultima detém os direitos autorais sobre o artigo. A maioria destas
revistas é editada impressa e distribuída pelos meios de transporte
tradicionais e disponibilizada em formato eletrônico on line através da Internet. Para se obter este tipo de publicação
é necessário comprar uma assinatura, geralmente anual ou bi-anual, cujo preço
varia, entre outras coisas, de acordo com o fator de impacto da revista.
2)
As instituições como Universidades,
Associações, Sociedades de classes profissionais e outras entidades sem fins
lucrativos também produzem um grande número de revistas científicas. As
associações e sociedades de classe geralmente cobram uma anuidade ou mensalidade
aos seus sócios e subvencionam assim a editoração de uma ou varias revistas
cientificas. Os sócios passam a ter o direito de acesso a esta publicação e a
publicar nela. As Universidades editam alguns periódicos que são distribuídos
de forma gratuita, ou através de um sistema de permuta, mas editam também
periódicos que são vendidos, ou através de uma editora comercial ou através das
próprias editoras universitárias. Os autores não precisam pagar para submeterem
e publicarem seus artigos. Quanto à forma de organização destes periódicos é a
mesma que nas editoras comerciais. São também produzidos de forma impressa e
eletrônica e às vezes em formato eletrônico exclusivamente. São às vezes
disponibilizadas gratuitamente on line
de forma imediata à sua publicação, às vezes depois de certo período de
carência que pode ser de seis meses, um ano ou dois. Esta forma de publicação é
também chamada de “acesso-gratuito” (free-access).
3)
A
terceira forma de publicação de revistas cientificas surge mais recentemente
como contestação ao atual modelo que, ao dominar o mercado e ditar normas e
preços, coloca o valor da informação cientifica num patamar excludente de
grande parte do mundo. Esta nova forma de publicação somente é possível graças
ao desenvolvimento tecnológico, especificamente a publicação eletrônica e a
Internet. Trata-se da revistas on-line
de acesso gratuito, sem restrições e para a qual os autores devem pagar um
determinado valor para terem seus artigos publicados. Organizada nos padrões
tradicionais com corpo editorial e revisão por pares, estes periódicos não
detém os direitos sobre os artigos, são os autores que permanecem com os
direitos autorais e o acesso, cópia e armazenagem (seja eletrônica ou impressa)
são permitidos. Esta forma de publicação é chamada de “acesso-aberto” (open-access).
Além das revistas, os artigos de forma individual também estão
sendo veiculados on line através de
modernos sistemas de arquivo digital que estão mudando definitivamente a forma
de comunicação científica. Os eprints
archives surgem da necessidade de agilizar mais ainda a comunicação e
facilitados por condicionantes tecnológicas altamente favoráveis, se tornaram
uma forma de publicação que está entre a formal e informal, uma vez que não
obedece a um sistema rígido de revisão, nem a esquemas editoriais tradicionais.
Os arquivos abertos de e-prints são
repositórios de artigos em que o autor de forma individual e sob sua inteira
responsabilidade deposita de forma automatizada, por correio eletrônico, por
transferência de arquivo ou por intermédio de um formulário disponível na Web,
seu manuscrito (antes ou depois de ser publicado num periódico, ou mesmo sem
nunca vir a ser publicado) e o disponibiliza aberta e gratuitamente para acesso
universal. (SENA, 2000).
É importante destacar ainda que estes modelos se diferenciam não
somente pela forma de acesso ao conteúdo, mas pela forma do financiamento da
produção. No modelo tradicional a renda vem de uma assinatura paga pelo
assinante (subscriber-pays) e no
modelo do acesso-aberto o autor paga uma taxa para submeter seu artigo e outra
se o artigo for publicado (author-pays).
Ao analisar estas formas de publicação científica percebe-se que
este novo conceito afeta diretamente os negócios das editoras, cria novos
líderes, novos atores principais. Se este conceito for definitivamente aceito,
poderá mudar radicalmente a forma de como se armazena, como se distribui, como
se recupera e se acessa a informação (GRACZYNSKI; MOSES, 2004).
ACESSO-GRATUITO,
ACESSO-ABERTO e ACESSO-LIVRE
Recentemente uma grande discussão sobre o acesso livre à
publicação científica on line tem
dividido a opinião de editores, bibliotecários, autores e leitores num
interessante debate que toma conta da comunidade científico-acadêmica e que
começa já pela definição do quê se entende por acesso-aberto. A diferença entre
rotular um periódico de acesso-gratuito ou de acesso-aberto está em que um
periódico de acesso aberto nasce gratuito, é livre de ser acessado por quem
quer que seja e os direitos permanecem com o autor, já o periódico de acesso
gratuito é aquele que sendo pago, é disponibilizado em certo momento para
acesso gratuito on line, porém os
direitos autorais permanecem com a editora. Já o termo acesso-livre tem sido
utilizado nos dois casos. A Sociedade Americana de Bioquímica e Biologia
Molecular se auto rotula “Editora de Acesso Aberto” pois coloca seus periódicos
disponíveis on line no final de cada
ano. Jan Velterop da BioMed Central diz que isso não é acesso-aberto, pois
mesmo que os artigos estejam disponíveis a todos imediatamente depois de serem
publicados, os direitos autorais pertencem à editora, e não aos autores, “e no
acesso-aberto puro, qualquer um tem a liberdade de fazer o que quer com seu
artigo” (VELTEROP apud MALAKOFF, 2003
P. 552). Segundo Peter Suber (2002) acesso aberto aos artigos dos periódicos
científicos significa acesso on line
livre de barreiras financeiras, técnicas e legais para leitores e bibliotecas.
Ele criou um guia de terminologia, acrônimos, iniciativas, normas, tecnologias,
e atores do acesso-aberto[1]
onde remete à definição da Budapest
Open Access Initiative
que diz:
Por “acesso-aberto” a esta literatura,
entendemos sua disponibilização livre na Internet pública, permitindo a
qualquer usuário ler, descarregar, copiar, distribuir, imprimir, buscar ou
fazer um link para os textos
completos destes artigos, capturá-los (crawling) para indexação, utilizá-los
como dados para software, ou
utilizá-los para qualquer outro propósito legal, sem outras barreiras
financeiras, legais ou técnicas que àquelas inseparáveis do próprio acesso à
Internet. A única limitação à reprodução e distribuição, e a única função do copyright neste domínio, deve ser o
controle dos autores sobre a integridade de sua obra e o direito de serem adequadamente
reconhecidos e citados (BUDAPEST OPEN ACCESS
INITIATIVE, 2001)
A definição de acesso-aberto na Public Library of Science (PloS)[2]
passa pelo conceito de liberdade de acesso e utilização e para isso foi criada
uma licença, a Creative Commons Attribution License[3]
com o intuito de proteger e facilitar o acesso aberto e o uso livre dos
trabalhos originais. Ao serem aplicadas as normas desta licença o autor estará
protegido legalmente e também estarão protegidos aqueles que desejarem utilizar
o trabalho. Os autores são os detentores dos direitos autorais. Para a PloS uma
publicação de acesso aberto é aquela que: 1) os autores e os detentores dos
direitos autorais garantem para todos os usuários o direito de acesso livre,
irrevogável, mundial e perpétuo e a licença de copiar, utilizar, distribuir,
transmitir e exibir o trabalho publicamente e fazer e distribuir trabalhos derivados deste, em qualquer meio
digital para qualquer propósito responsável, com sua própria autoria, assim
como o direito de fazer um pequeno numero de copias impressas para uso pessoal.
2) é depositada imediatamente após a publicação original, num formato
eletrônico padrão conveniente, uma cópia da versão completa do trabalho, com
todos os materiais suplementares, incluindo a copia da permissão, em pelo menos
um repositório on line de uma instituição
acadêmica, universitária, agencia governamental ou outra organização que
permita o acesso aberto, distribuição irrestrita, interoperabilidade e arquivo
em longo prazo. (PLoS, 2004)
FATORES QUE PROPICIARAM AS
MUDANÇAS NA
PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA
O desenvolvimento das tecnologias de informação (TI) foi
indispensável no surgimento destas novas formas de publicação, especialmente a
publicação eletrônica e a Internet. O acesso on line ao texto completo rapidamente conquistou o interesse de
todos os envolvidos na publicação cientifica, editores, bibliotecários, autores
e especialmente aos leitores por ser incrivelmente mais rápido, fácil e de
baixo custo. Um documento não encarece conforme à quantidade de vezes que é
acessado e são obvias as vantagens sobre o texto impresso.
O primeiro problema enfrentado pela publicação eletrônica foi o da
credibilidade. Existiam dúvidas sobre a validade daquelas publicações de origem
unicamente eletrônico.O caminho foi aberto através da publicação das revistas
cientificas em duplo formato: impresso e eletrônico. Criar um site e uma revista eletrônica se tornou
muito fácil e barato, de fato, qualquer pessoa poderia publicar um periódico eletrônico. As publicações eletrônicas
das editoras tradicionais sejam comerciais ou de entidades sem fins lucrativos,
não deixam duvidas do seu valor, pois são apenas a reprodução de seu formato
impresso em formato digital e para cuja produção são seguidos os rituais
conhecidos e amplamente aceitos pela comunidade cientifica.. Porém, como
ter certeza da origem e da validade de uma publicação exclusivamente
eletrônica?
No momento em que grandes e respeitadas bases de dados bibliográficas
como o MEDLINE e EMBASE (ambas da área de saúde) começaram a indexar as
publicações editadas exclusivamente em formato eletrônico, conferiram um
atestado de qualidade pois estas bases
analisam padrões de qualidade das publicações que indexam (GRACZYNSKI; MOSES,
2004). Alguns trabalhos de pesquisa demonstraram que as citações a artigos disponibilizados
on line são 4,5 vezes mais freqüente
que as citações à artigos somente impressos. E que existe uma clara correlação
entre o numero de vezes que um artigo é citado e a probabilidade de que esse
artigo esteja disponível on line (LAWRENCE,
2001).
Por outro lado, este conceito do acesso-aberto não vem somente de
vantagens ou avanços, vem também de problemas enfrentados pela comunidade
cientifica, e especialmente pelas bibliotecas. Trata-se dos altos e crescentes
custos da publicação científica. Malakoff (2004) ressalta a luta que os
bibliotecários tem travado com as grandes editoras comerciais como a Elsevier,
por exemplo, que publica mais de 1800 títulos de revistas. Quando estas eram
exclusivamente impressas, grande parte do preço era atribuída aos custos da
distribuição e divulgação. Isto muda radicalmente com a possibilidade da
publicação eletrônica (BROWN; KENNEDY, 2004).
Mas, se bem essas facilidades encheram de esperanças bibliotecários e
leitores, a realidade foi bem diferente, pois tiveram o acesso limitado por uma
senha. As bibliotecas teriam que pagar a assinatura impressa e/ou a assinatura on line, e para isto precisou-se nova
avaliação. A primeira questão enfrentada foi a do acesso, com conexões que
falham, lentas e a necessidade de um investimento alto em equipamentos e
manutenção. A segunda preocupação, porém não menos importante, é com a
conservação deste acervo, ainda estão indefinidas como e quais são as melhores
e mais efetivas formas de conservação dos documentos digital. Os bibliotecários
acostumados a dar valor à preservação do acervo preferiram as assinaturas
duplas: on line para servir os usuários com eficiência e
rapidez e impressas para conservar aquilo pelo qual se pagou muito caro
(MILLAN, 2001).
Ao começaram a aparecer os periódicos de formato eletrônico
exclusivamente, outras formas de taxar também foram impostas às bibliotecas e
leitores: o preço de acesso, o limite ao número de acessos simultâneos; e os
pacotes que as editoras atrelam a uma determinada aquisição. Os preços das assinaturas de periódicos e
versões on line aumentaram mais de
200% na última década (MAYOR, 2004). Isto criou novos problemas como o corte do
acesso quando as assinaturas não são renovadas, nesse caso perde-se também o
acesso aos números anteriormente pagos (PLUTCHAK, 2004).
Mas as vantagens foram se sobrepondo às dificuldades e a
publicação eletrônica se impôs definitivamente. Um velho problema veio à tona
mais atual do que nunca. Os direitos autorais dos artigos publicados nas
revistas cientificas pertencem às editoras. E o cientista, e as instituições
que financiam as pesquisas, na maioria das vezes instituições publicas para
terem o direito de ler o que publicam devem assinar estes periódicos, pagando
assim de dupla forma, uma quando financiam as pesquisas e outra quando as
bibliotecas utilizam fundos públicos para comprar os periódicos (MALAKOFF;
BACHTOLD, 2003). No Brasil as bibliotecas universitárias são as detentoras das
principais, maiores e melhores coleções de periódicos. Ou seja, para ter acesso
à literatura cientifica precisa-se estar vinculado a alguma instituição que
tenha biblioteca. Perante esta situação e a evidente vantagem de uma publicação
eletrônica, cujo número de acessos, de leituras e de cópias em nada onera o
custo da produção, surge o questionamento de porquê os preços se mantiveram
altos e em constante crescimento.
O SURGIMENTO DO MOVIMENTO
PELO ACESSO-ABERTO
Os primeiros sinais de um momento único na historia da publicação
cientifica vieram de iniciativas como a de Paul Ginsparg que em 1991, no
Laboratório Nacional de Los Alamos, Novo México, criou o arXiv.org, um servidor
no qual os físicos poderiam depositar copias digitaisl de seus manuscritos
antes de serem publicados. Foi o primeiro arquivo aberto de e-prints. Este servidor que começou
apenas como um veículo de intercâmbio de informações sobre física se expandiu
de tal forma que hoje em dia é como uma grande “biblioteca” de literatura de
pesquisa em física, ciências da computação, astronomia e matemática. Vários
projetos semelhantes a este são casos de sucesso no mundo todo, por exemplo
CogPrints (Cognitive Sciences Eprint Archive) no Reino Unido abrangendo a área
de psicologia, lingüística e neurociências, o NCSTRL (Networked Computer
Science Technical Reference Library),coleção internacional na área de ciências
da computação e o RePEC (Research Papers in Economy), coleção de documentos na
área de economia (SENA, 2000).
Outro fato notável que precedeu o movimento do acessso-aberto foi
a iniciativa de Harold Varmus que em 1999, sendo diretor do National Institute
of Health (NIH) nos Estados Unidos propôs desenvolver um site de publicação eletrônica que oferecesse de forma livre o
acesso à literatura da área de ciências da vida, tanto às já publicadas como as
pré-publicadas. Esta idéia rendeu ampla discussão durante um ano e culminou com
o lançamento do PubMed Central[4]
(PMC) em 2000, primariamente com o conteúdo do Proceedings of the National
Academy of Sciences e do periódico Molecular Biology of the Cell. Apesar de
promissora poucos periódicos aderiram a esta idéia, muitos editores se opuseram
e houve forte lobby para cortar o
financiamento do PMC. Atualmente são cerca de 150 periódicos que integram esta
biblioteca incluindo todos os periódicos da BioMed Central (ROBERTS, 2001).
A BioMed Central[5]
foi lançada em 2000, publica atualmente mais de 100 revistas médicas on line, todas com revisões por pares e
de acesso gratuito. A BioMed Central, que faz parte da casa editorial européia
Current Science Group com sede em Londres, cobra U$500 dólares por artigo
publicado e dá descontos ou isenção de taxa nos caso de pesquisadores sem
recursos.
O fato que revolucionou e incentivou a discussão global do
acesso-aberto foi a criação, em 2000, da Public Library of Science (PloS), uma
coalizão encabeçada pelo premio Nobel em Medicina de1999, Harold Varmus. Um
grupo de cientistas dedicados a tornar a literatura científica e médica do
mundo um recurso público lançou uma carta aberta e a
fez rodar o mundo através de e-mail onde conclamava a comunidade científica a
apoiar o esforço para fazer com que a literatura científica estivesse
disponível livremente através de bibliotecas publicas on line, como o PubMed.
Esta carta assinada por milhares de cientistas e pesquisadores do mundo
todo levava impressa uma idéia, a de que o saber cientifico pertence a
todos, e deve estar disponível para acesso livre para todos onde quer que seja.
Mesmo com o grande apoio recebido não obtiveram apoio esperado (PLoS, 204).
Cientes
de que a única forma de levar adiante esta idéia seria através de um projeto
próprio, em 2001, se lançaram à tarefa de criar uma
revista cientifica com alta qualidade e credibilidade, com relevante conteúdo
dos artigos, uma publicação cientifica no modelo do acesso-aberto que serviria
de catalisador para a mudança na industria da publicação. Em 2002 a PLoS
recebeu a doação de U$9 milhões da Gordon and Betty Moore Foundation e desta
forma começaram a montar um corpo editorial e uma equipe de trabalho. Em 2003
foi lançada a Revista de Biologia e em 2004 a Revista de Medicina. O processo
de editoração da revista é o mesmo das revistas tradicionais, a grande
diferença e o acesso absolutamente gratuito. Em compensação os autores ou suas
instituições devem pagar a soma de U$1500 (um valor que consideraram justo)
para terem seus artigos publicados.
No
Brasil importantes projetos se destacam na adoção de modelos de acesso-aberto e
na divulgação dos resultados de pesquisas dos cientistas e pesquisadores
latino-americanos, o SciELO, e a Biblioteca Digital Brasileira. O SciELO[6]
(Scientific Eletronic Library Online) é uma biblioteca digital que dá acesso ao
conteúdo completo de periódicos científicos. O SciELO utiliza uma metodologia
desenvolvida pela BIREME (Centro Latinoamericano e do Caribe de Informaçãoem
ciências da Saúde) a OPAS (Organização Panamericana da Saúde) e a OMS
(Organização Mundial da Saúde) e faz parte de um projeto da BIREME, FAPESP (Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e o CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) (MARCONDES; SAYÃO, 2003).
A Biblioteca Digital Brasileira é um projeto do IBICT
(Instituto Brasileiro de Informação e Ciência e Tecnologia) que visa tornar
visível a produção científica do país e facilitar a transferência de
informações científicas e tecnológicas no meio acadêmico e profissional.
O objetivo geral da BDB é contribuir para aumentar o acesso aos
documentos eletrônicos que sejam de interesse para o desenvolvimento das
atividades técnicas e cientificas, assim como para os demais setores
importantes para o desenvolvimento econômico e social do país, tais como o de
educação e o produtivo. Contribui também para tornar de caráter público, as
manifestações artísticas e culturais e acervos históricos importantes para a
preservação de nossa identidade cultural. Desta maneira, a BDB aumenta a
presença de conteúdos brasileiros na Internet, em sintonia com as diretrizes do
programa SocInfo (IBICT, 2001).
A Biblioteca Digital de Teses e Dissertações
que disponibilizará os textos completos pretendendo ainda incorporar mecanismos
de submissão via Internet e os Arquivos Abertos que permitem o
auto-arquivamento de manuscritos por parte dos autores, facilitando o intercâmbio
de informações são desdobramentos do projeto da Biblioteca Digital Brasileira e
estão em andamento (IBICT, 2001, TRISKA; CAFÉ, 2001).
O DEBATE
A pesar da adesão de importantes instituições e o esforço de
cientistas destacados, este movimento suscitou o debate e a contestação por
parte de grupos e pessoas que não acreditam nas vantagens, ou mesmo na
sobrevida deste modelo de publicação, e principalmente as editoras comerciais
se preocuparam em demonstrar que não é um modelo viável[7].
Peter Suber, incansável defensor do modelo do acesso-aberto, que lidera também
o movimento para o livre acesso às publicações acadêmico-universitárias (scholarly) chamado de Free Online
Scholarchip Movement (FOS)[8]
admite que tem sido um árduo trabalho defender esta idéia, mas que o modelo de
acesso-aberto tem as mesmas vantagens que o modelo tradicional referindo-se a
oito delas: revisão por pares (peer
review), qualidade profissional, prestigio, preservação, propriedade
intelectual, venda de produtos adicionais e impressão (SUBER, 2002).
O foco da discussão está no preço que deve ser pago pelos autores.
As editoras sustentam que o valor estipulado pela PLoS é inferior aos
verdadeiros custos da publicação. Recentemente, em abril de 2004 o Wellcome
Trust publicou um relatório onde analisou os custos destes dois modelos de
publicação chamando-os de “pago pelo assinante” (subscriber-pays) e “pago pelo autor” (author-pays) e chegou à conclusão de que considerando o sistema
total de custos o modelo “pago pelo autor” é mais barato, pois são
desnecessários gastos com licenças e outras atividades destinadas a restringir
o acesso. Em termos de custos fixos, que seriam os relativos à seleção e
revisão de manuscritos, preparação e ilustração de páginas, editoração e
correção da cópia, não existe diferença entre os dois modelos. Quanto aos
custos variáveis, que seriam àqueles relativos a papel, gerenciamento de
assinantes, licenças, distribuição, vendas e marketing, é diferente com o
periódico eletrônico, pois não há custos de papel ou de distribuição, e o custo
de manter um apropriado sistema eletrônico substituiria os custos de
distribuição. A conclusão é de que em termos de custo de produção o modelo
“pago pelo autor” é uma opção viável, por ser mais barato e por ter a
possibilidade de servir a comunidade científica com sucesso (WELLCOME TRUST,
2004; MAYOR, 2004).
A importância do debate fica evidente quando alguns das maiores
revistas científicas publicam páginas e mais páginas sobre o assunto, Science,
British Journal of Medicine e JAMA são algumas delas. Alguns autores afirmam
que se por um lado é obvio o beneficio de ter acesso livre à literatura
científica para os cientistas e leitores em países mais pobres ou em
desenvolvimento, por outro existe uma preocupação com a brecha que se
estabeleceria entre os que podem e os que não podem pagar as taxas para
publicação. Peter Celec (2004), cientista da Eslováquia diz que ele, ao igual
que muitos outros de países em desenvolvimento, nunca irá conseguir fundos para
pagar a publicação de seus próprios artigos, e a decisão será a de ter que ler
os artigos da PLoS e publicar na Science ou Nature, aludindo ao fato de que na
primeira não pagaria para ler, e na segunda não pagaria para publicar. Richard
O´Grady, diretor do American Institute of Biological Science chama a atenção
para o fato de que fora da área biomédica este modelo não poderá ser facilmente
aplicável, pois os recursos para pesquisa são muito inferiores (O´GRADY apud MALAKOFF, 2003 p. 553).
Tem os que duvidam de que este novo modelo possa deter um fabuloso
negocio de sete bilhões de dólares anuais da industria da publicação
científica. Alguns autores também discutem que o livre acesso à literatura
científica para o público pode trazer algumas conseqüências sérias se não se
resguardarem as normas de revisão, pois qualquer pessoa leiga, poderia ter
acessos a dados incompletos, não testados ou até errôneos sobre determinado
assunto (AQII, 2004).
Donald Kennedy, o editor da revista Science aprova o acesso-aberto
e vê com bons olhos a coexistência com o modelo de publicação de sociedades
científicas, como a American Association for the Advancement of Science (AAAS),
editora da Science. Os autores não pagam para submeterem e publicarem seus
artigos, e os custos da publicação são cobertos de varias fontes: anuidades dos
membros da associação (todos os membros recebem Science), assinaturas
institucionais, licenças para o acesso a versão on line, e anúncios. Ele chama este modelo de “open submission”. O autor vê ainda alguns problemas no modelo dos
periódicos da PloS, pois haverá um grande custo na revisão dos artigos,
principalmente o custo da rejeição. Quanto mais alta a taxa de rejeição,
maiores as despesas que devem ser pagas com as tarifas cobradas aos autores (BROWN;
KENNEDY, 2004).
Os editores da JAMA (um dois mais respeitados periódicos da área
médica) não parecem acreditar que este modelo “pago pelo autor” e com os preços
estipulados pela PloS, tenha futuro Por isso estabeleceram um plano de acesso
livre à revista que inclui o acesso livre a todos os principais artigos e
editoriais depois de 6 meses da publicação, 25 acessos gratuitos on line aos autores e acesso livre a
países em desenvolvimento através da participação na Health InterNetwork to
Research Initiative (HINARI) da ONU (DeANGELIS; MUSACHIO, 2004).
Graczynski (2004) traz ao debate algumas idéias alternativas,
ciente de que o modelo de acesso-aberto ainda está longe de ser uma solução
ideal. “Autores e leitores são freqüentemente as mesmas pessoas, sempre
perdedoras” (2004, p. ED3). O autor diz que é importante admitir que algum
preço tem que ser pago, e esse novo sistema deveria ser accessível (em termos
de custos) a ambos, leitores e autores. As tarifas de submissão de um artigo deveriam
ser bem inferiores (U$200-U$300) e não ser a única fonte de recursos, poderiam,
por exemplo, incluir anúncios comerciais. Um sistema de micro-pagamento do tipo
“pay-per-view”, requisição de cópias
ou download por preços menores
(U$2-U$3) poderia ser outra alternativa. Mas que a um acesso-aberto deveria se
chegar a um “acesso justo à publicação” (fair
access publishing), ele diz (GRACZYNSKI, 2004).
No âmbito das bibliotecas há um movimento de apoio ao
acesso-aberto no sentido de dotar as bibliotecas da tecnologia adequada para
promover coleções de acesso-aberto, e em recente evento europeu foi declarado
que as bibliotecas deverão apoiar as iniciativas de publicações comprometidas
com acesso-aberto, iniciar políticas cooperativas de repositórios de documentos
eletrônicos e cooperar na criação de recursos informacionais que integrem a
busca de documentos de livre acesso[9]. Porém percebe-se também uma certa desconfiança neste modelo por
acreditar que as bibliotecas serão atingidas em seus orçamentos quando as
instituições começarem a decidir de onde sairão os fundos para publicar. A
editora do Journal of the Medical Library Association, um dos mais prestigiosos
periódicos da biblioteconomia médica, T. Scott Plutchak, escreveu recentemente
que não será ainda este novo modelo que trará as soluções para os apertados
orçamentos das bibliotecas, Ao contrário, mudanças radicais e importantes
ocorrerão no âmbito das bibliotecas e os bibliotecários deverão estar
preparados para intervir nas decisões econômicas da Instituição (e não somente
da biblioteca), pois esse dinheiro que deverá financiar as publicações virá
provavelmente dos orçamentos das bibliotecas, com o argumento de que parte do
orçamento destinado às assinaturas pode ser remanejada. E disse: “... como
cidadã, eu abraço o movimento do acesso-aberto porque penso que melhorará a
qualidade da saúde na medida em que seja bem sucedido. Mas como bibliotecária
eu acho mais difícil de avaliar” (PLUTCHAK, 2004, p. 2)
O movimento que defende o acesso-aberto às publicações científicas
vem ganhando mais adeptos e suporte governamental a cada ano. O governo do
Reino Unido fechou acordo com a BioMed Central para que os pesquisadores
britânicos possam publicar com taxas reduzidas. Na Finlândia todas as
universidades e institutos de pesquisa se tornaram membros da BioMed Central,
isentando aos seus integrantes das taxas de publicação. No Brasil é grande o
esforço para o desenvolvimento da Biblioteca Digital e todos os seus
subprojetos, no Chile a universidade também está disponibilizando via Internet
a sua produção acadêmica, e muitos outros. É provável que este modelo de
publicação não se imponha como único no âmbito da comunicação científica, e que
o modelo tradicional e outros novos modelos coexistam, mas é sem dúvida um
marco que contribui para modificar a atual cenário onde a difusão do
conhecimento científico está dominada por algumas empresas editorias que formam
uma elite que impõe comportamentos e preços.
A
questão não é se posicionar contra ou a favor, mas acho que o tema
merece ser discutido e acredito que os dois modelos podem coexistir.
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