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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O conhecimento é realmente livre?

Quem tentou acessar a Wikipedia em inglês na última quarta-feira se deparou com essa mensagem:
Foi um protesto contra dois projetos de leis absurdos que vem sendo discutido no congresso americano, o SOPA, e o PIPA (detalhes aqui).  
 As propostas são encabeçadas pelas produtoras de conteúdo americanas (gravadoras e produtoras - aqui representada pelo Sr. Burns!) e tentam de alguma forma controlar a pirataria. 
Esse tema  de direitos autorais é realmente complexo e controverso, mas esses dois projetos de lei estapafúrdios, da maneira como estão apresentados ameaçam profundamente a produção e propagação de conteúdo na internet.
Mas no meio dessa confusão fiquei intrigado com a frase da Wikipedia: "Imagine a World Without Free Knowledge". Então fiquei me perguntando se o conhecimento realmente é livre.
O conteúdo científico é livre?
A resposta é Não. 
O modelo de divulgação científica existente hoje está nas mãos de editoras comerciais que cobram rios de dinheiro para o acesso à seus conteúdos, e no meu entendimento se eu tenho que pagar o conhecimento NÃO é LIVRE!
Mas a coisa não é tão simples, no modelo atual as melhores revistas, com maiores índices de impacto (e com acesso mais caros) possuem grande credibilidade e são o eldorado dos cientistas, onde teoricamente, se seu trabalho é bom será merecedor de ser aceito e terá visibilidade/credibilidade.
Mas o conceito de credibilidade é relativo. Será que não é possível uma análise por pares de qualidade e com credibilidade em uma revista open access?
O fato de uma pesquisador acreditar no acesso livre e decidir publicar seu trabalho em uma revista dessas torna seu trabalho inferior?
E aí eu pergunto: Você que provavelmente pirateia o Chemoffice, faz downloads de livros na internet, usa windows pirata, acredita em conhecimento livre?
Muito provavelmente a resposta será sim, seguida do argumento mais comum, o preço que se paga! Argumento até certo ponto válido mas questionável...
Mas e se eu perguntar se você submeteria seu trabalho (que é de qualidade), para uma revista open access ao invés de mandar para o JOC? A resposta provavelmente seria NÃO.
Essa é uma questão bastante complexa, onde vários pontos de vista devem ser analisados e considerados. 
Já existe a algum tempo uma corrente de pensamento que é a favor da divulgação científica livre.
Para entender melhor como funcionam os modelos de divulgação científica existente, reproduzo o artigo (LIVRE) bastante interessante sobre o tema:


LIVRE ACESSO À LITERATURA CIENTÍFICA: REALIDADE OU SONHO DE CIENTISTAS E BIBLIOTECÁRIOS?

MARTHA S. M. SILVEIRA
Bibliotecária e Mestranda em Ciência da Informação (ICI/UFBA). Universidade Federal da Bahia.
(mmartinez_silveira@hotmail.com)

NANCI E. ODDONE
Mestre em Ciência da Informação (UnB), Doutoranda em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ), Professora   do ICI/UFBA. Universidade Federal da Bahia
(neoddone@uol.com.br)

INTRODUÇÃO

A comunicação científica é uma forma de transferência de informação e construção do conhecimento que nasce de uma dupla necessidade, por um lado a de quem deseja conhecer os avanços da ciência e por outro a de quem quer comunicar à comunidade os achados e resultados de pesquisas e/ou estudos dos diversos temas da ciência.

“A ciência atual é fundamentalmente um trabalho coletivo, em que pesquisadores e grupos de pesquisa trabalham sobre resultados já obtidos por seus pares, e tem como objetivo acrescentar um tijolo a mais em um vasto edifício.” (MARCONDES; SAYÃO, 2002, p. 44).

Esta forma de comunicação tem como um dos principais atores o artigo cientifico. O artigo é a peça que compõe as revistas cientificas que não tendo fins comerciais em si mesmas, mas sim um inestimável valor científico, se transformaram num elemento de valor econômico muito grande e tem sido objeto de grandes negócios no mercado editorial (MARCONDES; SAYÃO, 2002). As editoras de revistas cientificas de cunho comercial tornaram-se dominantes neste contexto onde se trata a ciência com as leis do mercado. O preço desta literatura tem permanecido num patamar que não contribui com o desenvolvimento da ciência, pois dificulta sobremaneira o aceso à informação cientifica. (DELAMOTHE, 2004).

As revistas cientificas atualmente são produzidas basicamente de três formas:

1)                 Editoras comerciais produzem periódicos geralmente de alto padrão quanto à qualidade, à apresentação, à relevância do tema e ao investimento tecnológico. Os autores, sem restrições, podem submeter seus artigos para publicação. Existe um corpo editorial formado por profissionais de alto gabarito dentro do tema revista, e tem também uma equipe de revisores. Estes são também renomados profissionais dentro da área temática do periódico, e são pagos pela editora para, baseados nas regras e normas estabelecidas pelo corpo editorial e principalmente na qualidade, relevância, veracidade e no inédito do tema abordado pelo autor, determinar a publicação ou não de um artigo submetido (peer review) (DeANGELIS; MUSACCHIO, 2004). Estes artigos, que são finalmente publicados e para o qual o autor não necessita pagar, passam a pertencer à editora, ou seja, esta ultima detém os direitos autorais sobre o artigo. A maioria destas revistas é editada impressa e distribuída pelos meios de transporte tradicionais e disponibilizada em formato eletrônico on line através da Internet. Para se obter este tipo de publicação é necessário comprar uma assinatura, geralmente anual ou bi-anual, cujo preço varia, entre outras coisas, de acordo com o fator de impacto da revista.

2)                 As instituições como Universidades, Associações, Sociedades de classes profissionais e outras entidades sem fins lucrativos também produzem um grande número de revistas científicas. As associações e sociedades de classe geralmente cobram uma anuidade ou mensalidade aos seus sócios e subvencionam assim a editoração de uma ou varias revistas cientificas. Os sócios passam a ter o direito de acesso a esta publicação e a publicar nela. As Universidades editam alguns periódicos que são distribuídos de forma gratuita, ou através de um sistema de permuta, mas editam também periódicos que são vendidos, ou através de uma editora comercial ou através das próprias editoras universitárias. Os autores não precisam pagar para submeterem e publicarem seus artigos. Quanto à forma de organização destes periódicos é a mesma que nas editoras comerciais. São também produzidos de forma impressa e eletrônica e às vezes em formato eletrônico exclusivamente. São às vezes disponibilizadas gratuitamente on line de forma imediata à sua publicação, às vezes depois de certo período de carência que pode ser de seis meses, um ano ou dois. Esta forma de publicação é também chamada de “acesso-gratuito” (free-access).

3)                  A terceira forma de publicação de revistas cientificas surge mais recentemente como contestação ao atual modelo que, ao dominar o mercado e ditar normas e preços, coloca o valor da informação cientifica num patamar excludente de grande parte do mundo. Esta nova forma de publicação somente é possível graças ao desenvolvimento tecnológico, especificamente a publicação eletrônica e a Internet. Trata-se da revistas on-line de acesso gratuito, sem restrições e para a qual os autores devem pagar um determinado valor para terem seus artigos publicados. Organizada nos padrões tradicionais com corpo editorial e revisão por pares, estes periódicos não detém os direitos sobre os artigos, são os autores que permanecem com os direitos autorais e o acesso, cópia e armazenagem (seja eletrônica ou impressa) são permitidos. Esta forma de publicação é chamada de “acesso-aberto” (open-access).

Além das revistas, os artigos de forma individual também estão sendo veiculados on line através de modernos sistemas de arquivo digital que estão mudando definitivamente a forma de comunicação científica. Os eprints archives surgem da necessidade de agilizar mais ainda a comunicação e facilitados por condicionantes tecnológicas altamente favoráveis, se tornaram uma forma de publicação que está entre a formal e informal, uma vez que não obedece a um sistema rígido de revisão, nem a esquemas editoriais tradicionais. Os arquivos abertos de e-prints são repositórios de artigos em que o autor de forma individual e sob sua inteira responsabilidade deposita de forma automatizada, por correio eletrônico, por transferência de arquivo ou por intermédio de um formulário disponível na Web, seu manuscrito (antes ou depois de ser publicado num periódico, ou mesmo sem nunca vir a ser publicado) e o disponibiliza aberta e gratuitamente para acesso universal. (SENA, 2000).

É importante destacar ainda que estes modelos se diferenciam não somente pela forma de acesso ao conteúdo, mas pela forma do financiamento da produção. No modelo tradicional a renda vem de uma assinatura paga pelo assinante (subscriber-pays) e no modelo do acesso-aberto o autor paga uma taxa para submeter seu artigo e outra se o artigo for publicado (author-pays).

Ao analisar estas formas de publicação científica percebe-se que este novo conceito afeta diretamente os negócios das editoras, cria novos líderes, novos atores principais. Se este conceito for definitivamente aceito, poderá mudar radicalmente a forma de como se armazena, como se distribui, como se recupera e se acessa a informação (GRACZYNSKI; MOSES, 2004).

ACESSO-GRATUITO, ACESSO-ABERTO e ACESSO-LIVRE

Recentemente uma grande discussão sobre o acesso livre à publicação científica on line tem dividido a opinião de editores, bibliotecários, autores e leitores num interessante debate que toma conta da comunidade científico-acadêmica e que começa já pela definição do quê se entende por acesso-aberto. A diferença entre rotular um periódico de acesso-gratuito ou de acesso-aberto está em que um periódico de acesso aberto nasce gratuito, é livre de ser acessado por quem quer que seja e os direitos permanecem com o autor, já o periódico de acesso gratuito é aquele que sendo pago, é disponibilizado em certo momento para acesso gratuito on line, porém os direitos autorais permanecem com a editora. Já o termo acesso-livre tem sido utilizado nos dois casos. A Sociedade Americana de Bioquímica e Biologia Molecular se auto rotula “Editora de Acesso Aberto” pois coloca seus periódicos disponíveis on line no final de cada ano. Jan Velterop da BioMed Central diz que isso não é acesso-aberto, pois mesmo que os artigos estejam disponíveis a todos imediatamente depois de serem publicados, os direitos autorais pertencem à editora, e não aos autores, “e no acesso-aberto puro, qualquer um tem a liberdade de fazer o que quer com seu artigo” (VELTEROP apud MALAKOFF, 2003 P. 552). Segundo Peter Suber (2002) acesso aberto aos artigos dos periódicos científicos significa acesso on line livre de barreiras financeiras, técnicas e legais para leitores e bibliotecas. Ele criou um guia de terminologia, acrônimos, iniciativas, normas, tecnologias, e atores do acesso-aberto[1] onde remete à definição da Budapest Open Access Initiative que diz:

Por “acesso-aberto” a esta literatura, entendemos sua disponibilização livre na Internet pública, permitindo a qualquer usuário ler, descarregar, copiar, distribuir, imprimir, buscar ou fazer um link para os textos completos destes artigos, capturá-los (crawling) para indexação, utilizá-los como dados para software, ou utilizá-los para qualquer outro propósito legal, sem outras barreiras financeiras, legais ou técnicas que àquelas inseparáveis do próprio acesso à Internet. A única limitação à reprodução e distribuição, e a única função do copyright neste domínio, deve ser o controle dos autores sobre a integridade de sua obra e o direito de serem adequadamente reconhecidos e citados (BUDAPEST OPEN ACCESS INITIATIVE, 2001)

A definição de acesso-aberto na Public Library of Science (PloS)[2] passa pelo conceito de liberdade de acesso e utilização e para isso foi criada uma licença, a Creative Commons Attribution License[3] com o intuito de proteger e facilitar o acesso aberto e o uso livre dos trabalhos originais. Ao serem aplicadas as normas desta licença o autor estará protegido legalmente e também estarão protegidos aqueles que desejarem utilizar o trabalho. Os autores são os detentores dos direitos autorais. Para a PloS uma publicação de acesso aberto é aquela que: 1) os autores e os detentores dos direitos autorais garantem para todos os usuários o direito de acesso livre, irrevogável, mundial e perpétuo e a licença de copiar, utilizar, distribuir, transmitir e exibir o trabalho publicamente e fazer e distribuir trabalhos derivados deste, em qualquer meio digital para qualquer propósito responsável, com sua própria autoria, assim como o direito de fazer um pequeno numero de copias impressas para uso pessoal. 2) é depositada imediatamente após a publicação original, num formato eletrônico padrão conveniente, uma cópia da versão completa do trabalho, com todos os materiais suplementares, incluindo a copia da permissão, em pelo menos um repositório on line de uma instituição acadêmica, universitária, agencia governamental ou outra organização que permita o acesso aberto, distribuição irrestrita, interoperabilidade e arquivo em longo prazo. (PLoS, 2004)



FATORES QUE PROPICIARAM AS MUDANÇAS NA

PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA



O desenvolvimento das tecnologias de informação (TI) foi indispensável no surgimento destas novas formas de publicação, especialmente a publicação eletrônica e a Internet. O acesso on line ao texto completo rapidamente conquistou o interesse de todos os envolvidos na publicação cientifica, editores, bibliotecários, autores e especialmente aos leitores por ser incrivelmente mais rápido, fácil e de baixo custo. Um documento não encarece conforme à quantidade de vezes que é acessado e são obvias as vantagens sobre o texto impresso.

O primeiro problema enfrentado pela publicação eletrônica foi o da credibilidade. Existiam dúvidas sobre a validade daquelas publicações de origem unicamente eletrônico.O caminho foi aberto através da publicação das revistas cientificas em duplo formato: impresso e eletrônico. Criar um site e uma revista eletrônica se tornou muito fácil e barato, de fato, qualquer pessoa poderia publicar um periódico eletrônico. As publicações eletrônicas das editoras tradicionais sejam comerciais ou de entidades sem fins lucrativos, não deixam duvidas do seu valor, pois são apenas a reprodução de seu formato impresso em formato digital e para cuja produção são seguidos os rituais conhecidos e amplamente aceitos pela comunidade cientifica.. Porém, como ter certeza da origem e da validade de uma publicação exclusivamente eletrônica?

No momento em que grandes e respeitadas bases de dados bibliográficas como o MEDLINE e EMBASE (ambas da área de saúde) começaram a indexar as publicações editadas exclusivamente em formato eletrônico, conferiram um atestado de qualidade  pois estas bases analisam padrões de qualidade das publicações que indexam (GRACZYNSKI; MOSES, 2004). Alguns trabalhos de pesquisa demonstraram que as citações a artigos disponibilizados on line são 4,5 vezes mais freqüente que as citações à artigos somente impressos. E que existe uma clara correlação entre o numero de vezes que um artigo é citado e a probabilidade de que esse artigo esteja disponível on line (LAWRENCE, 2001).

Por outro lado, este conceito do acesso-aberto não vem somente de vantagens ou avanços, vem também de problemas enfrentados pela comunidade cientifica, e especialmente pelas bibliotecas. Trata-se dos altos e crescentes custos da publicação científica. Malakoff (2004) ressalta a luta que os bibliotecários tem travado com as grandes editoras comerciais como a Elsevier, por exemplo, que publica mais de 1800 títulos de revistas. Quando estas eram exclusivamente impressas, grande parte do preço era atribuída aos custos da distribuição e divulgação. Isto muda radicalmente com a possibilidade da publicação eletrônica (BROWN; KENNEDY, 2004).  Mas, se bem essas facilidades encheram de esperanças bibliotecários e leitores, a realidade foi bem diferente, pois tiveram o acesso limitado por uma senha. As bibliotecas teriam que pagar a assinatura impressa e/ou a assinatura on line, e para isto precisou-se nova avaliação. A primeira questão enfrentada foi a do acesso, com conexões que falham, lentas e a necessidade de um investimento alto em equipamentos e manutenção. A segunda preocupação, porém não menos importante, é com a conservação deste acervo, ainda estão indefinidas como e quais são as melhores e mais efetivas formas de conservação dos documentos digital. Os bibliotecários acostumados a dar valor à preservação do acervo preferiram as assinaturas duplas: on line para servir os usuários com eficiência e rapidez e impressas para conservar aquilo pelo qual se pagou muito caro (MILLAN, 2001).

Ao começaram a aparecer os periódicos de formato eletrônico exclusivamente, outras formas de taxar também foram impostas às bibliotecas e leitores: o preço de acesso, o limite ao número de acessos simultâneos; e os pacotes que as editoras atrelam a uma determinada aquisição.  Os preços das assinaturas de periódicos e versões on line aumentaram mais de 200% na última década (MAYOR, 2004). Isto criou novos problemas como o corte do acesso quando as assinaturas não são renovadas, nesse caso perde-se também o acesso aos números anteriormente pagos (PLUTCHAK, 2004).

Mas as vantagens foram se sobrepondo às dificuldades e a publicação eletrônica se impôs definitivamente. Um velho problema veio à tona mais atual do que nunca. Os direitos autorais dos artigos publicados nas revistas cientificas pertencem às editoras. E o cientista, e as instituições que financiam as pesquisas, na maioria das vezes instituições publicas para terem o direito de ler o que publicam devem assinar estes periódicos, pagando assim de dupla forma, uma quando financiam as pesquisas e outra quando as bibliotecas utilizam fundos públicos para comprar os periódicos (MALAKOFF; BACHTOLD, 2003). No Brasil as bibliotecas universitárias são as detentoras das principais, maiores e melhores coleções de periódicos. Ou seja, para ter acesso à literatura cientifica precisa-se estar vinculado a alguma instituição que tenha biblioteca. Perante esta situação e a evidente vantagem de uma publicação eletrônica, cujo número de acessos, de leituras e de cópias em nada onera o custo da produção, surge o questionamento de porquê os preços se mantiveram altos e em constante crescimento.

O SURGIMENTO DO MOVIMENTO PELO ACESSO-ABERTO

Os primeiros sinais de um momento único na historia da publicação cientifica vieram de iniciativas como a de Paul Ginsparg que em 1991, no Laboratório Nacional de Los Alamos, Novo México, criou o arXiv.org, um servidor no qual os físicos poderiam depositar copias digitaisl de seus manuscritos antes de serem publicados. Foi o primeiro arquivo aberto de e-prints. Este servidor que começou apenas como um veículo de intercâmbio de informações sobre física se expandiu de tal forma que hoje em dia é como uma grande “biblioteca” de literatura de pesquisa em física, ciências da computação, astronomia e matemática. Vários projetos semelhantes a este são casos de sucesso no mundo todo, por exemplo CogPrints (Cognitive Sciences Eprint Archive) no Reino Unido abrangendo a área de psicologia, lingüística e neurociências, o NCSTRL (Networked Computer Science Technical Reference Library),coleção internacional na área de ciências da computação e o RePEC (Research Papers in Economy), coleção de documentos na área de economia (SENA, 2000).

Outro fato notável que precedeu o movimento do acessso-aberto foi a iniciativa de Harold Varmus que em 1999, sendo diretor do National Institute of Health (NIH) nos Estados Unidos propôs desenvolver um site de publicação eletrônica que oferecesse de forma livre o acesso à literatura da área de ciências da vida, tanto às já publicadas como as pré-publicadas. Esta idéia rendeu ampla discussão durante um ano e culminou com o lançamento do PubMed Central[4] (PMC) em 2000, primariamente com o conteúdo do Proceedings of the National Academy of Sciences e do periódico Molecular Biology of the Cell. Apesar de promissora poucos periódicos aderiram a esta idéia, muitos editores se opuseram e houve forte lobby para cortar o financiamento do PMC. Atualmente são cerca de 150 periódicos que integram esta biblioteca incluindo todos os periódicos da BioMed Central (ROBERTS, 2001).

A BioMed Central[5] foi lançada em 2000, publica atualmente mais de 100 revistas médicas on line, todas com revisões por pares e de acesso gratuito. A BioMed Central, que faz parte da casa editorial européia Current Science Group com sede em Londres, cobra U$500 dólares por artigo publicado e dá descontos ou isenção de taxa nos caso de pesquisadores sem recursos.

O fato que revolucionou e incentivou a discussão global do acesso-aberto foi a criação, em 2000, da Public Library of Science (PloS), uma coalizão encabeçada pelo premio Nobel em Medicina de1999,  Harold Varmus. Um grupo de cientistas dedicados a tornar a literatura científica e médica do mundo um recurso público lançou uma carta aberta e a fez rodar o mundo através de e-mail onde conclamava a comunidade científica a apoiar o esforço para fazer com que a literatura científica estivesse disponível livremente através de bibliotecas publicas on line, como o PubMed.  Esta carta assinada por milhares de cientistas e pesquisadores do mundo todo levava impressa uma idéia, a de que o saber cientifico pertence a todos, e deve estar disponível para acesso livre para todos onde quer que seja. Mesmo com o grande apoio recebido não obtiveram apoio esperado (PLoS, 204).

Cientes de que a única forma de levar adiante esta idéia seria através de um projeto próprio, em 2001, se lançaram à tarefa de criar uma revista cientifica com alta qualidade e credibilidade, com relevante conteúdo dos artigos, uma publicação cientifica no modelo do acesso-aberto que serviria de catalisador para a mudança na industria da publicação. Em 2002 a PLoS recebeu a doação de U$9 milhões da Gordon and Betty Moore Foundation e desta forma começaram a montar um corpo editorial e uma equipe de trabalho. Em 2003 foi lançada a Revista de Biologia e em 2004 a Revista de Medicina. O processo de editoração da revista é o mesmo das revistas tradicionais, a grande diferença e o acesso absolutamente gratuito. Em compensação os autores ou suas instituições devem pagar a soma de U$1500 (um valor que consideraram justo) para terem seus artigos publicados.

No Brasil importantes projetos se destacam na adoção de modelos de acesso-aberto e na divulgação dos resultados de pesquisas dos cientistas e pesquisadores latino-americanos, o SciELO, e a Biblioteca Digital Brasileira. O SciELO[6] (Scientific Eletronic Library Online) é uma biblioteca digital que dá acesso ao conteúdo completo de periódicos científicos. O SciELO utiliza uma metodologia desenvolvida pela BIREME (Centro Latinoamericano e do Caribe de Informaçãoem ciências da Saúde) a OPAS (Organização Panamericana da Saúde) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) e faz parte de um projeto da BIREME, FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) (MARCONDES; SAYÃO, 2003).

A Biblioteca Digital Brasileira é um projeto do IBICT (Instituto Brasileiro de Informação e Ciência e Tecnologia) que visa tornar visível a produção científica do país e facilitar a transferência de informações científicas e tecnológicas no meio acadêmico e profissional.

O objetivo geral da BDB é contribuir para aumentar o acesso aos documentos eletrônicos que sejam de interesse para o desenvolvimento das atividades técnicas e cientificas, assim como para os demais setores importantes para o desenvolvimento econômico e social do país, tais como o de educação e o produtivo. Contribui também para tornar de caráter público, as manifestações artísticas e culturais e acervos históricos importantes para a preservação de nossa identidade cultural. Desta maneira, a BDB aumenta a presença de conteúdos brasileiros na Internet, em sintonia com as diretrizes do programa SocInfo (IBICT, 2001).

 A Biblioteca Digital de Teses e Dissertações que disponibilizará os textos completos pretendendo ainda incorporar mecanismos de submissão via Internet e os Arquivos Abertos que permitem o auto-arquivamento de manuscritos por parte dos autores, facilitando o intercâmbio de informações são desdobramentos do projeto da Biblioteca Digital Brasileira e estão em andamento (IBICT, 2001, TRISKA; CAFÉ, 2001).



O DEBATE

A pesar da adesão de importantes instituições e o esforço de cientistas destacados, este movimento suscitou o debate e a contestação por parte de grupos e pessoas que não acreditam nas vantagens, ou mesmo na sobrevida deste modelo de publicação, e principalmente as editoras comerciais se preocuparam em demonstrar que não é um modelo viável[7]. Peter Suber, incansável defensor do modelo do acesso-aberto, que lidera também o movimento para o livre acesso às publicações acadêmico-universitárias (scholarly) chamado de Free Online Scholarchip Movement (FOS)[8] admite que tem sido um árduo trabalho defender esta idéia, mas que o modelo de acesso-aberto tem as mesmas vantagens que o modelo tradicional referindo-se a oito delas: revisão por pares (peer review), qualidade profissional, prestigio, preservação, propriedade intelectual, venda de produtos adicionais e impressão (SUBER, 2002).

O foco da discussão está no preço que deve ser pago pelos autores. As editoras sustentam que o valor estipulado pela PLoS é inferior aos verdadeiros custos da publicação. Recentemente, em abril de 2004 o Wellcome Trust publicou um relatório onde analisou os custos destes dois modelos de publicação chamando-os de “pago pelo assinante” (subscriber-pays) e “pago pelo autor” (author-pays) e chegou à conclusão de que considerando o sistema total de custos o modelo “pago pelo autor” é mais barato, pois são desnecessários gastos com licenças e outras atividades destinadas a restringir o acesso. Em termos de custos fixos, que seriam os relativos à seleção e revisão de manuscritos, preparação e ilustração de páginas, editoração e correção da cópia, não existe diferença entre os dois modelos. Quanto aos custos variáveis, que seriam àqueles relativos a papel, gerenciamento de assinantes, licenças, distribuição, vendas e marketing, é diferente com o periódico eletrônico, pois não há custos de papel ou de distribuição, e o custo de manter um apropriado sistema eletrônico substituiria os custos de distribuição. A conclusão é de que em termos de custo de produção o modelo “pago pelo autor” é uma opção viável, por ser mais barato e por ter a possibilidade de servir a comunidade científica com sucesso (WELLCOME TRUST, 2004; MAYOR, 2004).

A importância do debate fica evidente quando alguns das maiores revistas científicas publicam páginas e mais páginas sobre o assunto, Science, British Journal of Medicine e JAMA são algumas delas. Alguns autores afirmam que se por um lado é obvio o beneficio de ter acesso livre à literatura científica para os cientistas e leitores em países mais pobres ou em desenvolvimento, por outro existe uma preocupação com a brecha que se estabeleceria entre os que podem e os que não podem pagar as taxas para publicação. Peter Celec (2004), cientista da Eslováquia diz que ele, ao igual que muitos outros de países em desenvolvimento, nunca irá conseguir fundos para pagar a publicação de seus próprios artigos, e a decisão será a de ter que ler os artigos da PLoS e publicar na Science ou Nature, aludindo ao fato de que na primeira não pagaria para ler, e na segunda não pagaria para publicar. Richard O´Grady, diretor do American Institute of Biological Science chama a atenção para o fato de que fora da área biomédica este modelo não poderá ser facilmente aplicável, pois os recursos para pesquisa são muito inferiores (O´GRADY apud MALAKOFF, 2003 p. 553).

Tem os que duvidam de que este novo modelo possa deter um fabuloso negocio de sete bilhões de dólares anuais da industria da publicação científica. Alguns autores também discutem que o livre acesso à literatura científica para o público pode trazer algumas conseqüências sérias se não se resguardarem as normas de revisão, pois qualquer pessoa leiga, poderia ter acessos a dados incompletos, não testados ou até errôneos sobre determinado assunto (AQII, 2004).

Donald Kennedy, o editor da revista Science aprova o acesso-aberto e vê com bons olhos a coexistência com o modelo de publicação de sociedades científicas, como a American Association for the Advancement of Science (AAAS), editora da Science. Os autores não pagam para submeterem e publicarem seus artigos, e os custos da publicação são cobertos de varias fontes: anuidades dos membros da associação (todos os membros recebem Science), assinaturas institucionais, licenças para o acesso a versão on line, e anúncios. Ele chama este modelo de “open submission”. O autor vê ainda alguns problemas no modelo dos periódicos da PloS, pois haverá um grande custo na revisão dos artigos, principalmente o custo da rejeição. Quanto mais alta a taxa de rejeição, maiores as despesas que devem ser pagas com as tarifas cobradas aos autores (BROWN; KENNEDY, 2004).

Os editores da JAMA (um dois mais respeitados periódicos da área médica) não parecem acreditar que este modelo “pago pelo autor” e com os preços estipulados pela PloS, tenha futuro Por isso estabeleceram um plano de acesso livre à revista que inclui o acesso livre a todos os principais artigos e editoriais depois de 6 meses da publicação, 25 acessos gratuitos on line aos autores e acesso livre a países em desenvolvimento através da participação na Health InterNetwork to Research Initiative (HINARI) da ONU (DeANGELIS; MUSACHIO, 2004).

Graczynski (2004) traz ao debate algumas idéias alternativas, ciente de que o modelo de acesso-aberto ainda está longe de ser uma solução ideal. “Autores e leitores são freqüentemente as mesmas pessoas, sempre perdedoras” (2004, p. ED3). O autor diz que é importante admitir que algum preço tem que ser pago, e esse novo sistema deveria ser accessível (em termos de custos) a ambos, leitores e autores. As tarifas de submissão de um artigo deveriam ser bem inferiores (U$200-U$300) e não ser a única fonte de recursos, poderiam, por exemplo, incluir anúncios comerciais. Um sistema de micro-pagamento do tipo “pay-per-view”, requisição de cópias ou download por preços menores (U$2-U$3) poderia ser outra alternativa. Mas que a um acesso-aberto deveria se chegar a um “acesso justo à publicação” (fair access publishing), ele diz (GRACZYNSKI, 2004).

No âmbito das bibliotecas há um movimento de apoio ao acesso-aberto no sentido de dotar as bibliotecas da tecnologia adequada para promover coleções de acesso-aberto, e em recente evento europeu foi declarado que as bibliotecas deverão apoiar as iniciativas de publicações comprometidas com acesso-aberto, iniciar políticas cooperativas de repositórios de documentos eletrônicos e cooperar na criação de recursos informacionais que integrem a busca de documentos de livre acesso[9].  Porém percebe-se também uma certa desconfiança neste modelo por acreditar que as bibliotecas serão atingidas em seus orçamentos quando as instituições começarem a decidir de onde sairão os fundos para publicar. A editora do Journal of the Medical Library Association, um dos mais prestigiosos periódicos da biblioteconomia médica, T. Scott Plutchak, escreveu recentemente que não será ainda este novo modelo que trará as soluções para os apertados orçamentos das bibliotecas, Ao contrário, mudanças radicais e importantes ocorrerão no âmbito das bibliotecas e os bibliotecários deverão estar preparados para intervir nas decisões econômicas da Instituição (e não somente da biblioteca), pois esse dinheiro que deverá financiar as publicações virá provavelmente dos orçamentos das bibliotecas, com o argumento de que parte do orçamento destinado às assinaturas pode ser remanejada. E disse: “... como cidadã, eu abraço o movimento do acesso-aberto porque penso que melhorará a qualidade da saúde na medida em que seja bem sucedido. Mas como bibliotecária eu acho mais difícil de avaliar” (PLUTCHAK, 2004, p. 2)
O movimento que defende o acesso-aberto às publicações científicas vem ganhando mais adeptos e suporte governamental a cada ano. O governo do Reino Unido fechou acordo com a BioMed Central para que os pesquisadores britânicos possam publicar com taxas reduzidas. Na Finlândia todas as universidades e institutos de pesquisa se tornaram membros da BioMed Central, isentando aos seus integrantes das taxas de publicação. No Brasil é grande o esforço para o desenvolvimento da Biblioteca Digital e todos os seus subprojetos, no Chile a universidade também está disponibilizando via Internet a sua produção acadêmica, e muitos outros. É provável que este modelo de publicação não se imponha como único no âmbito da comunicação científica, e que o modelo tradicional e outros novos modelos coexistam, mas é sem dúvida um marco que contribui para modificar a atual cenário onde a difusão do conhecimento científico está dominada por algumas empresas editorias que formam uma elite que impõe comportamentos e preços.

A questão não é se posicionar contra ou a favor, mas acho que o tema merece ser discutido e acredito que os dois modelos podem coexistir.

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