Pierre Mothé Esteves, professor de Química da UFRJ |
Saiu no O Globo.
"RIO - Houve um tempo em que sair do país era destino inexorável para
qualquer cientista que quisesse se destacar. Em um sem-número de áreas, o
Brasil estava anos-luz atrás das nações desenvolvidas. A pesquisa
parecia fadada ao esquecimento - a iniciativa privada não cultivava
qualquer interesse, e o Estado preferia aplicar seus recursos em outras
áreas. De uma década para cá, porém, este cenário mudou. Entre 2000 e
2008, houve aumento de 28% no gasto interno bruto em pesquisa e
desenvolvimento, segundo a Unesco. O investimento chegou a R$ 32,8
bilhões, maior do que o de Itália e Espanha. E é no meio desta euforia
que cresceram os jovens cientistas brasileiros, a maioria determinada a
deixar o passaporte guardado e a montar seus laboratórios por aqui. Esta
é uma das conclusões de um levantamento inédito do GLOBO feito com cem
dos 112 membros mais jovens da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Para
renovar seus quadros e se aproximar dos novos talentos, a ABC criou, em
2007, um quadro de membros afiliados, exclusivo para menores de 42
anos. A academia dividiu o país em seis regiões: Rio, São Paulo, Norte,
Sul, Nordeste & Espírito Santo e Minas & Centro-Oeste. Cada uma
delas elege, entre seus pares, os representantes. A maioria trabalha em
áreas de pesquisa aplicada (biologia, física e química) e, como nem tudo
muda muito rápido, a pesquisa científica ainda parece um Clube do
Bolinha: são 83 homens e apenas 29 mulheres.
Mas,
independentemente do sexo ou da região, o otimismo é quase unânime.
Entre os entrevistados, 90% acreditam que a qualidade da produção
científica brasileira melhorou na última década. Nove por cento
consideram-na igual, e um não soube avaliar.
- O nível de
publicações aumentou, não só numérica como qualitativamente - avalia o
matemático Alexander Mendoza, de 32 anos. - Temos muitas publicações em
revistas de alto nível. O fluxo de pesquisadores de outros países vindo
ao Brasil aumentou e, assim, expandiu-se o leque de subáreas nas quais
se faz pesquisa. Também cresceu o número de estudantes de pós-graduação
desenvolvendo trabalhos muito bons.
A criação (ou fortalecimento)
de fundos estaduais de amparo à pesquisa faz com que muitos cientistas
estejam satisfeitos com a região onde estão instalados. Paulistas não
trocam o seu financiamento, vindo da robusta Fapesp, por nada. Biólogos
só têm olhos para Amazônia, campo de pesquisa insubstituível, que leva -
ou mantém - muitos deles na margem da floresta. Mas a distância dos
grandes centros urbanos não é unanimidade.
- Montei um laboratório
onde foram investidos mais de R$ 200 mil, oriundos de um projeto alemão
e, em parte, do financiamento de um edital do CNPq. Agora tenho um
equipamento de R$ 60 mil parado por falta de uma peça de cristal que
custa R$ 13.460 - lamenta o biólogo Marcelo Cohen, especializado em
oceanografia. - As publicações continuam sendo realizadas por conta do
apoio financeiro de projetos de colegas vinculados às instituições
paulistas.
Exterior: quem vai quer voltar
Apenas
um em cada cinco cogita transferir-se para outro estado. Ir para o
exterior também não apetece à maioria, embora 38% digam que trabalhariam
fora do Brasil. A diferença, comparando a algum tempo atrás, é que
agora eles entram no avião com data para voltar.
- Tenho vontade
de fazer pós-doutorado (no exterior). Claro que as condições em alguns
países são melhores, mas aqui elas estão melhorando - pondera a
biofísica Adriana Fontes. - Temos que apostar no país.
Não é um
discurso ufanista, nem um apoio incondicional. Alguns dos entrevistados
ressaltaram que, havendo problemas para conduzir seus projetos, o futuro
é o aeroporto.
- Passei oito anos fazendo pesquisa nos EUA, onde a
facilidade de se fazer pesquisa é ainda inigualável. Voltei ao Brasil
com a intenção de fazer o mesmo aqui, mas, caso a situação não mude,
penso em retornar - ressalta João Trindade.
O biólogo citou, como
principal ponto fraco do país, a burocracia. Trinta e sete de seus
colegas também se queixaram da dificuldade para importar materiais e
equipamentos, além dos entraves para gerir seus próprios recursos.
Mas
a lista de problemas para a ciência - cada entrevistado poderia citar
dois - vai além. Corrupção, politização das instituições de fomento à
pesquisa, educação básica fraca e falta de infraestrutura são queixas
recorrentes.
Para atenuar a diferença de desenvolvimento entre as
regiões, outro calcanhar de aquiles brasileiro, o governo federal criou
uma recomendação. O Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia quer a
estipulação de uma cota mínima de 30% das bolsas para pesquisadores do
Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A medida é controversa e dividiu quase
pela metade os entrevistados: 53% são a favor, 40% manifestaram-se
contra e 7% se abstiveram.
- Sou contra pela mesma razão que não
deve existir uma regra dizendo que 30% dos prêmios Nobel devem ser
concedidos para pesquisadores do Terceiro Mundo - argumenta um
cientista, que não quis se identificar, do Rio. - É uma solução muito
simplista.
- Uma vez que todo o Brasil precisa crescer, inclusive
as áreas mais periféricas, me parece muito acertado o direcionamento da
verba - opina a bióloga Camila Indiani, que fez graduação e doutorado na
USP, e agora trabalha em Salvador. - Mas é necessário atrelar a bolsa a
uma comprovação de produção. Resta a nós, das regiões beneficiadas,
mostrar que as bolsas estão sendo bem empregadas.
A vontade de
mostrar trabalho é um consenso nas entrevistas. A nova geração de
pesquisadores incomoda-se com a estabilidade do serviço público, que
permite a acomodação de colegas. E, ao mesmo tempo, exalta o dinamismo, a
criatividade e a capacidade de improviso daqueles que ingressam hoje na
academia.
- O brasileiro tem jogo de cintura e consegue contornar
situações desfavoráveis e, ainda assim, fazer pesquisa de boa qualidade
- analisa a química Gisele Olímpio.
Economia ajuda planos futuros
A
nova geração é, em parte, ressabiada com o futuro. Não sabe se os
recursos que turbinam seu trabalho há dez anos serão uma prática
consolidada. Mas, enquanto a economia lhe é favorável, parece feliz com
sua vida. Muitos disseram que, daqui a uma década, esperam estar na
mesma instituição.
- Pretendo estar aqui, aproveitando o final da
década de ouro do Rio e atraindo pessoas de fora da cidade e do país
para cá, devido à qualidade de nossos trabalhos - planeja o químico
Pierre Mothé Esteves. - Ou, então, em Estocolmo, testemunhando o
primeiro brasileiro a ganhar um Prêmio Nobel.
Sonhar (e trabalhar por isso) não custa nada."
Para aqueles que possuem a ambição de fazer pesquisa de ponta, na área de síntese orgânica, o Brasil ainda não é o melhor local. Os projetos mais desafiadores ainda são vistos pelas agências de fomento como arriscados. Então os pesquisadors acabam sempre trabalhando com linhas de pesquisa paralelas, colaborações internacionais,etc. Descobrir fármaco ainda é um sonho também. Hoje me pergunto se vale a pena ir para a Academia: estresse com professores do departamento, projetos e mais projetos para submeter, bolsa pesquisador CNPq. Será que os rumos devem ser outros? (por Fernando)
ResponderExcluirQuerer é uma coisa, poder é outra.
ResponderExcluirAcho que a maioria dos alunos de doutorado das nossas instituições gostaria de trabalhar no Brasil. Agora, não basta querer. O governo tem que dar incentivos reais pros pesquisadores, como garantia de emprego (pra viver de bolsa vivo "lá fora"), desburocratizar os financiamentos, melhorar a infra-estrutura tanto pra garantir o funcionamento dos equipamentos e dar uma boa estrutura de bancada quanto pra garantir uma boa qualidade de vida pros pesquisadores de uma forma geral, afinal quem aquenta gastar 3 ou 4 horas diárias se locomovendo de casa pro trabalho, ou então quem vai querer sair do sudeste pra ir trabalhar no Piauí (onde a infra-estrutura geral é bem inferior)? Contando rápido me lembro de 4 pessoas que deixaram o Brasil recentemente pra morar fora (2 europa e 2 EUA) por causa da qualidade e do custo de vida. Desses 4 2 estariam ganhando mais no Brasil do que lá fora.
Daniel Schulz